quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Cadeira da Salvação




Há algum tempo venho pensando em tirar minha carteira de motorista, fiz as provas e acabei perdendo duas vezes na prova prática. Todo esse esforço é porque não agüentava mais ter que pegar ônibus cheio ou ficar morfando (virando informante de ponto; deteriorizando; enchendo, após uma hora de espera, a cabeça de muitos xingamentos...) no ponto de ônibus. Mas andei pensando sobre o que é realmente pegar ônibus e descobrir que estar dentro dele muitas vezes é insuportável, mas também pode ser bastante interessante.
Digo isso, porque nas minhas grandes aventuras (aventura porque quem pega ônibus é um aventureiro sem opção!) de pegar ônibus todos os dias vejo grandes pequenas cenas. O buzu, como é popularmente conhecido, vira “o lugar onde se vê”, ou melhor, um teatro. Transforma-se no palco das multi cenas. Mas entre muitas que acontecem, existe uma que é a minha preferida e a qual acho a mais conflitante. Narrarei a seguir.
Quem acorda bem cedo e pega o buzu de manhã para ir cumprir os seus compromissos diários, sabe o que é pegar um ônibus (ou buzu como achar melhor, sinta-se a vontade!) lotado. Claro que há alguns privilegiados que pegam o coletivo vazio (Oh ! Desculpe! Quis dizer buzu vazio.), esses são aqueles que moram em bairros onde a grande maioria tem carro. Dentro desses ônibus lotados acontecem implacáveis lutas para quem vai sentar na cadeira, mas é na cadeira que ficou vazia dentro de um ônibus com muita gente em pé. E é exatamente essa cena a qual acho maravilhosa, entre muitas outras interessantes, é claro!
È mais ou menos assim: Todos estão em pé, esmagando-se como sardinhas dentro da lata. Uns sentem frio, alguns calor. Outros respiram, várias vezes, fundo para ver se a paciência não vai embora. E aqueles que com olhos de detetive procuram entre os sortudos que estão sentados quem vai soltar mais rápido. E olhe há bons detetives, viu? Entre sufoco e mais sufoco, apertos e empurrões, eis que surge uma cadeira vazia, não importa se é no corredor ou na janela, é a cadeira sonhada por muitos dentro do ônibus. Alguns começam a se entreolharem, mas tudo isso discretamente, fingindo que não está se importando com a cadeira da salvação, querendo mostrar que adora viajar horas e mais horas em pé. E os olhares continuam, mas começa as movimentações em direção a cadeira e aos poucos vai aumentando... aumentando... Foi um, foi dois... E de repente uma das pessoas chega perto da cadeira, com a certeza que o seu sofrimento iria acabar. Coloca um braço na cadeira para demarcar território e... Uma outra pessoa, que ninguém sabe de onde surgiu, mais ágil e astuciosa, toma a frente e senta no lugar tão desejado.
Não podemos crucificar ela, pois, nesse mundo quem não é esperto dança e principalmente quando se trata de uma cadeira vazia dentro do buzu lotado, aí a esperteza tem que predominar, até porque “vale tudo” para não ficar em pé. Mas o espetáculo ainda não foi finalizado. Após ter conseguido sentar na cadeira, se a pessoa estava com a fisionomia de um bicho com fome, agora tudo mudou. Depois de ter sentado, a alegria toma conta da sua alma. E isso fica explicito, pois, o lábio serrado foi substituído por um sorriso, os olhos enfurecidos deixam luzir um brilho.
Olha tudo isso é verdade! Mas verdade para aqueles que pegam todos os dias seu buzu lotado e acaba tendo que ir em pé. Para aqueles que vivem no mundo dos automóveis particulares, desculpe, essa situação lhe és totalmente indiferente. Mas finalizo minhas observações fazendo um convite: aqueles que desconhecem o universo dos buzus lotados tentem pegar um algum dia pegar. Porém, não pode ser uma ou duas vezes, para poder perceber e descobrir o mundo cênico dos ônibus. Tem que viver, tem que observar, tem que viajar.

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